Após 20 anos de sucesso e R$ 296 bilhões em investimentos, a Lei do Bem enfrenta novos desafios e se abre para novas oportunidades. Uma análise sobre o futuro do principal instrumento de fomento à inovação do Brasil, à luz do livro da ABES e da Nova Indústria Brasil.

Celebrar 20 anos da Lei do Bem, como faz a recente publicação “Lei do Bem: Duas Décadas de Fomento à Inovação no Brasil“, da ABES, é celebrar um caso raro de política pública de longo prazo bem-sucedida. Os R$ 296 bilhões em investimentos em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) mobilizados entre 2006 e 2024 são a prova de seu impacto. No entanto, o sucesso passado não garante a relevância futura. Em um cenário de rápidas transformações tecnológicas e de novas diretrizes estratégicas, como as traçadas pela Nova Indústria Brasil (NIB), a Lei do Bem precisa evoluir. Analisar seus desafios e as oportunidades que se abrem é crucial para garantir sua longevidade e eficácia para os próximos 20 anos.
O Desafio da Simplificação e da Inclusão
Um dos desafios históricos da Lei do Bem, apontado por especialistas no livro da ABES, é a sua complexidade percebida e a concentração de seu uso em grandes empresas. Embora a lei tenha democratizado o acesso à inovação, ainda há um vasto campo para ampliar sua capilaridade, especialmente entre as Pequenas e Médias Empresas (PMEs). Muitas PMEs ainda veem o processo de prestação de contas como um fardo burocrático intransponível, deixando de aproveitar um benefício que poderia ser vital para seu crescimento.
Simplificar os processos, sem perder o rigor do controle, é um desafio constante para o MCTIC. A modernização do FormP&D, o formulário eletrônico para prestação de contas, é um passo nessa direção, mas a comunicação e a capacitação das empresas menores continuam sendo barreiras a serem superadas.
Para Angelita Nepel, sócia da Macke Consultoria, a inclusão de PMEs é a próxima fronteira da Lei do Bem. “As grandes empresas já aprenderam a usar a lei. O grande desafio, e a grande oportunidade, é trazer as PMEs para o jogo. Isso exige um esforço conjunto do governo, em simplificar, e de consultorias especializadas, em traduzir essa complexidade e mostrar para o pequeno empresário que o benefício é, sim, acessível e extremamente vantajoso para ele.”
A Oportunidade da Sinergia com a Nova Indústria Brasil (NIB)
Se a inclusão é um desafio, a maior oportunidade para a Lei do Bem reside em sua sinergia com a Nova Indústria Brasil (NIB). Como detalhado no livro da ABES, o “amanhã está sendo construído” sobre as bases que a Lei do Bem ajudou a criar. A NIB, com suas seis missões estratégicas, oferece um direcionamento claro para onde a inovação brasileira deve mirar. A Lei do Bem, por sua vez, se consolida como um dos principais instrumentos para financiar essa jornada.
Projetos de PD&I que se alinhem às missões da NIB — como descarbonização, bioeconomia, transformação digital e complexo da saúde — ganham uma relevância estratégica que vai além do benefício fiscal. Eles se tornam parte de um projeto de desenvolvimento nacional, o que lhes confere maior atratividade para outras fontes de fomento, como os vultosos recursos do BNDES e da Finep.
“A NIB deu um novo propósito para a Lei do Bem”, argumenta André Maieski, sócio da Macke Consultoria. “Antes, a empresa inovava com base em sua própria estratégia de mercado. Agora, ela pode alinhar essa estratégia a uma missão nacional, o que potencializa enormemente suas chances de sucesso. Um projeto que atende a uma demanda de mercado e, ao mesmo tempo, contribui para uma das missões da NIB, torna-se praticamente irrecusável do ponto de vista do fomento.”
O Desafio da Mensuração de Impacto e a Oportunidade da Governança
Outro ponto de evolução para a Lei do Bem é a necessidade de ir além da mensuração do investimento (quantos bilhões foram investidos) e avançar na mensuração do impacto (o que esses bilhões geraram em termos de patentes, novos produtos, empregos qualificados e competitividade internacional). Esse é um desafio complexo, mas essencial para justificar a continuidade e a expansão do incentivo perante a sociedade.
Essa necessidade de medir o impacto cria uma oportunidade para as empresas que aprimoram sua governança de inovação. Companhias que possuem sistemas robustos para medir os resultados de seus projetos de PD&I não apenas se destacam na prestação de contas da Lei do Bem, mas também geram dados valiosos para sua própria gestão estratégica.
Brendo Ribas, sócio da Macke Consultoria, vê a governança como a chave para o futuro. “No futuro, não bastará dizer que você investiu em P&D. Será preciso demonstrar o que esse investimento gerou. As empresas que se anteciparem a essa tendência e implementarem uma governança de inovação focada em métricas e resultados terão uma enorme vantagem. Elas não só garantirão o benefício fiscal com mais segurança, como também atrairão mais facilmente investimentos privados e públicos, pois saberão provar o valor de sua inovação.”
Após 20 anos, a Lei do Bem provou ser uma política pública resiliente e transformadora. Seus desafios futuros — simplificação, inclusão e mensuração de impacto — são também suas maiores oportunidades. Ao se integrar à Nova Indústria Brasil e ao incentivar uma governança de inovação mais sofisticada, a Lei do Bem tem tudo para continuar sendo, por mais 20 anos, o motor da competitividade e do desenvolvimento tecnológico do Brasil.